II
2 de março de 2011 (parte
1)
Receber aquela mensagem,
aquelas horas da noite, estava-me a deixar nervosa. Tinha medo de pegar no
telemóvel, de como quando era criança, quando algo se escondia de baixo da cama
e depois me pegava nos braços ou nas pernas. Num gesto muito rápido, lancei o
meu braço até ao telemóvel e voltei-me a esconder entre os lençóis.
Os meus olhos estavam
sensíveis e a luz forte do pequeno telemóvel impediu-me de ver durante uns
segundos, semicerrei os olhos e passei com o dedo no ecrã para abrir a
mensagem.
DE: sem número
MENSAGEM: “Nunca me esquecerei de ti! –SSS”
Uma lágrima escapou-me
do olho, agora cheio de medo e assustado com aquela noite em Portugal, já não
conseguia segurar as lágrimas que corriam pela minha cara a abaixo. As minhas
mãos estavam frágeis e acabei por deixar cair o telemóvel sobre as almofadas,
que o fizeram saltar e cair no chão, o simples barulho da sua queda, foi
suficiente para me deixar ainda mais assustada. Não tinha reação para nada, não
conseguia pensar em nada, nem mesmo naquela noite de verão, nem do nojo que
sentia de mim mesma, nem das lágrimas frias a correrem pela minha face, o medo
engoliu-me e deixou-me paralisada, sentia vontade de fechar os olhos, mas o
medo de me virem á cabeça as imagens que me atormentaram durante estes anos,
impediu-me de que o fizesse; era como se alguma força invisível me impedisse de
reagir.
O tempo foi passando,
estava cada vez a ficar mais fraca, a força do cansaço deitou-me abaixo e,
deixei-me cair sobre os lenções de flores que pareciam abraçar-me e
reconfortar-me no fim daquele, que parecia, um pesadelo.
***
O sol entrou pela janela
e fui obrigada a abrir os olhos que há muito tempo, já estavam acordados.

O sol quente da manha
convidava as pessoas a tomarem o pequeno-almoço na esplanada. Entre as muitas
mesas cheias, encontrei-as sentadas a conversar, com grandes sorrisos na cara,
como se não tivesse acontecido nada.
Tânia: Bom dia.
Estiveram muito tempo á minha espera?
Georgia: Não.
Tânia: Estão muito
sorridentes!
Giovanna: Nem por isso,
só consegui agora arrancar um sorriso da cara da Georgia.
Tânia: Porquê? O que se
passa Georgia?
Giovanna: Oh, não
ligues, foi um pesadelo!
Georgia: Sim… foi um
pesadelo…
Consegui reparar nos
pequenos olhares que trocaram antes de me responderem, estavam a mentir, algo
se tinha passado com a Georgia e não era um pesadelo.
Tânia: A sério? Agora
vocês não me vão contar nada? Vão deixar de confiar em mim?
Giovanna: É claro que
não.
Tânia: Então, o que se
passa? (a Georgia voltou a olhar para Gio, como se quisesse pedir permissão
para falar. Impedi-a de fazer isso e perguntei-lhe diretamente) Georgia! Fala
comigo, conta-me o que aconteceu!
Fomos interrompidas pela
chegada do empregado com o nosso pedido.
Giovanna: Obrigada.
(agradeceu lançando um sorriso falso ao empregado e, esperou que ele se virasse
para continuar) A Georgia anda a fazer filmes, tal como tu. A sério, eu não vos
percebo, prometemos todas que não íamos voltar a falar neste assunto e agora
andam para ai com estas coisas porquê?
Georgia: Não são filme
Gio! E só me estou a começar a preocupar porque ninguém sabia do assunto da
minha mensagem, e para além disso, não sei quem a enviou!
Tânia: Espera lá, que
mensagem?
Giovanna: Olha pronto…
Georgia: Não sei de quem
é, não tem número, mas no fim está assinado com as letras “SSS”.
Tânia: “SSS”… Eu recebi
uma também!
Georgia: O que é a tua
dizia?
Tânia: “Nunca me
esquecerei de ti”
Giovanna: Pode ser só
uma brincadeira, sim?!
Georgia: Gio, é
coincidência a mais!
Giovanna: Só vou entrar
nesses vossos filmes quando tiver provas em concreto. (olhou para o relógio e
fez uma cara de surpreendida) Agora tenho de ir que vou trabalhar. Beijinhos.
Deu-nos um beijo leve
nas faces e seguiu a pé até ao carro.
Georgia: O que é que
achas disto?
Tânia: Não sei, mas
aconteceu-me mais… ontem acordei com um pesadelo e não me saia da cabeça uma
imagem de uma criança e quando dou por mim, vejo aquele fio que eu perdi
naquela noite em Portugal, em cima da minha mesinha de cabeceira.
Georgia: Se calhar não o
perdes-te mesmo…
Tânia: Perdi! Mas mesmo
assim, como é que um fio que eu tinha em Portugal, foi parar ao meu quarto em
Londres.
Georgia: Então, se tens
a certeza que não foste tu, quem foi? Alguém entrou em tua casa?
Tânia: Não sei, mas quem
é que iria entrar, as janelas estavam todas fechadas, não havia sinais de
arrombamento. E para além disso, como é que tinham o fio?
Georgia: Não sei, mas é
estranho! Alguém tem a chave de tua casa?
Tânia: Ninguém!
Georgia: Liga á tua mãe
a perguntar!
Tânia: Sim, é melhor.
(peguei no telemóvel e rapidamente disquei o numero dela) Sim?! Estou, mãe,
então tudo bem?
Lurdes: “Sim e contigo?
Correu tudo bem?”
Tânia: Sim, está tudo ótimo
e correu tudo bem. Olha mãe, mais alguém tem a chave da nossa casa?
Lurdes: “Não, porquê,
falta alguma coisa?”
Tânia: Não, mas parece
que algumas coisas foram trocadas de sitio…
Lurdes: “Hum… pode ser a
empregada, a Mary. Acho que não lhe pedi a chave, como ela costuma ir ai limpar
nas férias…”
Tânia: Pois, deve ter
sido ela. Então, está tudo bem com o pai e com o mano?
Lurdes: “Sim, está tudo.
Então e tu, como está Londres?”
Tânia: Ainda bem. Está
melhor aqui comigo!
Lurdes: “Ainda bem.
Olha, tenho que ir. Beijinhos filha!”
Menti á minha mãe, por
um lado a mudança já não estava a correr muito bem, ser ameaça por um
desconhecido não estava nos meus planos, queria só esclarecer as coisas, mas se
queria que tudo melhorasse, tinha de vestir um fato de coragem e mergulhar num
mar de perguntas sem respostas e, era isso que ia fazer.
Georgia: Então?!
Tânia: Talvez seja a
empregada que a tenha.
Georgia: Ok, então vamos
falar com ela.
Tânia: Sim, mas antes
temos de ir ás compras que eu não tenho nada em casa.
Georgia: É claro que
sim. Vamos a isso que eu sou perita nisso!
Tânia: Não me digas…
Ficou a olhar para mim
com aquele olhar confuso, como se não quisesse perceber.
***
Tânia: Vou aquecer uma
lasanha para o nosso almoço.
Fui-me afastando da sala
de jantar onde estava-mos instaladas, dirigi-me até á cozinha e coloquei as
lasanhas de aspeto delicioso no forno. Mesmo afastada da sala de jantar, ouvia
a Georgia a reclamar.
Georgia: Isso engorda!
Tânia: Vê lá! Qualquer
dia não cabes nas calças!
Georgia: Se me
continuares a alimentar assim, não.
Tânia: O Danny continua
a gostar de ti, não te preocupes.
Georgia: Sim, sim.
Tânia: Então, vais-me
contar o que dizia a tua mensagem?
Georgia: Nem por isso…
Tânia: Porquê?
Georgia: Porque é um
assunto muito pessoal.
Tânia: A minha também e
eu contei-te!
Fui-me aproximando da
sala de jantar com as lasanhas na mão e com os ouvidos bem abertos. O vapor que
se libertava das lasanhas denunciava um cheiro muito apetitoso que rapidamente
se espalhou pela sala e nos deixou de boca aberta.
Georgia: Hum, cheira tão
bem! Há muito tempo que não comia uma lasanha!
Tânia: Não mudes de
assunto!
Georgia: Esquece Tânia,
não te vou contar, não agora, quando eu me sentir preparada para falar nesse
assunto.
Tânia: É grave?
Georgia: Não, mas é
muito pessoal, ninguém sabe e não gosto de falar nisso. Tenho que ser EU a
resolver este assunto.
Tânia: Mas eu podia
ajudar a resolver o que precisasses.
Georgia: Não, acredita
que não.
Tânia: Ok, não vou
insistir, mas se precisares é só falares comigo. (olhei para ela e estava com
uma cara em baixo, aquele sorriso que a lasanha tinha provocado, rapidamente
desapareceu, seja o que fosse o assunto da mensagem não era bom; já nem estava
a comer, só brincava com a comida) Então vamos acabar de comer para resolver
isto o mais rapidamente possível.
Georgia: Sabes onde vive
a tua empregada?
Tânia: Sim, não é muito
longe.
Acabámos de comer,
colocámos os pratos sobre a mesa junto ás pequenas estatuas que a minha mãe
tinha colocado para enfeitar a sala de jantar.
Saímos de casa e pegámos
a estrada.
Tânia: Não, é aqui!
Georgia: Aqui?! Está
casa aqui?!
Tânia: Sim, porquê?
Conheces aqui alguém?
Georgia: Quem, eu?! Não,
claro que não! (olhou em volta com um olhar preocupado, assim que ela olhava
para mim e me via de desconfiada, lançava um pequeno sorriso de embaraço, mas
pior ficou quando nos dirigimos para a entrada da casa)
Tânia: Estás bem?
Georgia: Sim.
(rapidamente cortou a resposta para não haver mais perguntas para a qual ela,
certamente, não queria responder) Como se chama a empregada?
Tânia: Mary.
Começamos por bater de
leve na porta, mas ninguém abriu, deixamos a nossa curiosidade e ansiedade
bater na porta com mais força, mas continuamos sem obter resposta do lado de
dentro.
Georgia: Se calhar é
melhor irmos embora.
Tânia: Não, querias
tanto vir, o que se passa?
Georgia: Nada, é só que
se calhar não está ninguém em casa e se alguém nos vê a bater com tanta força
ainda pensam que vamos roubar.
Tânia: É hora de almoço,
deve estar em casa.
Georgia: Se calhar
enganamo-nos na casa.
Tânia: Não, quando eu
era pequena e os meus pais iam passar o fim-de-semana fora, deixavam-me aqui.
(olhei em volta para confirmar que não estávamos a ser vigiadas, lancei a mão à
maçaneta e com um pequeno gesto do pulso abri a porta) Olha, está aberta!
Georgia: Vamos entrar
assim?
Tânia: Anda lá! (puxei-a
pelo braço bruscamente para ela entrar depressa para que não fossemos vistas) Dona
Mary, posso?! É a Tânia!
Fomos deixando a porta
entreaberta para trás e fomos percorrendo a casa chamando-a.
Georgia: Acho que não
está cá ninguém.
Tânia: Cala-te. Dona
Mary?! Dona Mary?! Vai por esse lado.
Tânia: Dona Mary?!
Cada vez nos íamos
afastando mais, o som das nossas vozes já não se cruzavam. Percorremos a casa
em bico dos pés para não fazer barulho.
Tânia: Dona Mary?! Dona
Mary?! Dona Mary?!...
Georgia: Avó?!
Tânia: Que foi Georgia?!
(percorri a casa num só passo seguindo a vós dela, encontrai-a de bruços, no
chão, sobre a dona Mary)
Georgia: Está morta!
Tânia *